quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A mentalidade predadora do Projeto do Código Florestal

Duas qualificações têm sido utilizadas para caracterizar as mudanças propostas pelo relator Aldo Rebelo, um comunista com viés de ruralista (que chegou a contratar para assessorá-lo uma consultora do agronegócio, como denunciaram a Folha de S. Paulo e o conservador Estadão), para o Código Florestal: flexibilidade e irresponsabilidade.
O conceito de flexibilidade tem sido apropriado por aqueles que desejam continuar descumprindo as regras de proteção do meio ambiente e que buscam ou brechas para o desmatamento futuro, legalizado pelo projeto, ou anistia para a ação predatória realizada por anos a fio.  Na prática, ele foi contemplado regiamente pela proposta apresentada à Comissão Especial da Câmara dos Deputados no último dia 8 de junho e que, de imediato, provocou reação violenta dos ambientalistas, como era de se esperar.
O conceito de irresponsabilidade está associado à intenção do projeto que, sob a alegação de proteger os pequenos agricultores, sinaliza para uma autorização legal para que todos, sobretudo os grandes, deixem de preservar áreas protegidas, anistia os desmatadores contumazes e inclui outros pacotes de bondades que envergonham os que acreditam no compromisso do País e dos empresários com a sustentabilidade.
A redução de 30 metros para 7,5 metros da proteção mínima nas margens dos rios, as moratórias para novos cortes, as exceções previstas para lavouras em encostas e, particulamente, a municipalização ou estadualização da legislação comprometem qualquer esforço para uma política consistente, legítima para a proteção do meio ambiente no Brasil.
A idéia subjacente ao projeto é garantir que, em cada Estado ou município, lobbies e poderes locais possam decidir o que será feito e, nesse caso, como todos sabemos, prevalecerão interesses econômicos porque não é novidade que empresas e produtores estarão atuando firmemente para que os seus privilégios sejam preservados. Há numerosos  recantos nesse País onde imperam os caciques políticos (que são também os que detêm o poder econômico), como se pode perceber no Maranhão, em Alagoas e por aí afora, com famílias que mantêm estados e cidadãos sob seu jugo.
È forçoso reconhecer que governos anteriores estimularam o desmatamento, atraindo, irresponsavelmente, para a ocupação da floresta , e ordenando explicitamente a sua destruição. É razoável considerar que algumas culturas (e pequenos produtores) são dependentes de determinadas circunstâncias que, numa visão moderna, atentam contra a sustentabilidade. É até importante lembrar (mas sem a visão generalizante do Aldo Rebelo e de ruralistas que o subsidiam) que existem ONGs que não servem para coisa alguma e que estão apenas empenhadas em captar recursos para os seus diretores.
Mas, pera aí, muita calma nessa hora, vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Tem, como se diz na minha querida Ribeirão Preto, gato na tuba.
Em primeiro lugar, se cometemos erros no passado (e o mundo todo cometeu, destruindo os recursos naturais) nada justifica que devemos manter permanentemente esta atitude predatória e todos, de uma forma ou de outra, teremos que colaborar para superar o impasse ambiental. Governos com visão estreita (e temos tido demais por aqui, não é mesmo?) e pequenos produtores vão ter que se alinhar a um novo paradigma, porque a realidade é incontestável: se destruirmos água, ar, solo, não há chance para a perpetuação dos negócios num futuro próximo. Finalmente, o fato de algumas ONGs só estarem atrapalhando nesta hora (tem ONG de conservação que fez parceria - veja só - com uma empresa de transgênicos e agrotóxica porque, no fundo, a grana fala mais alto do que o compromisso) não autoriza ninguém (muito menos o Aldo Rabelo e a bancada do agronegócio) a demonizar todas as organizações que integram o Terceiro Setor. Respeitemos o Greenpeace, a WWF, a SOS Mata Atlântica, o IBASE, o IDEC, os jornalistas ambientais deste País e entidades que não compactuam com esta irresponsabilidade generalizada sob o pretexto de proteger a produção.
A leitura pela imprensa da nova proposta não foi unânime, muito pelo contrário. O Estadão (que tem raízes sólidas no mundo da produção agrícola)  prega o discurso da reconciliação e acredita que a maior parte das propostas é realista e razoável (vide seu editorial de 10 de junho). Já a Folha de S. Paulo foi contundente no editorial do mesmo dia: "relatório de Aldo Rebelo alia atraso ruralista a nacionalismo antiquado para desmontar legislação que protege florestas". Enfim, e isso é um alerta para os que ainda pregam a objetividade no jornalismo, mesmo na mídia os interesses definem as posições e os compromissos. Os editoriais explicitam a ideologia empresarial, ainda que as reportagens possam contradizer o patrão (na editoria de meio ambiente do Estadão, o tom foi menos adesista e incluiu, no  dia 11 de junho, comentário de Afra Balazina, enviada especial a  Bonn, Alemanha, contrário à proposta do Código Florestal).
Estaremos  assistindo, nos próximos dias ou meses (há parlamentares que já decidiram fazer o possível e o impossível para impedir que esta proposta vingue como está) o recrudescimento deste embate, sobretudo com o aprofundamento do debate eleitoral. Marina Silva certamente não perderá a oportunidade para desbancar a proposta (e faz muito bem, com coerência e legitimidade) que tem muito dos interesses ruralistas e também da "cultura desenvolvimentista" do Governo (e do que sucedeu a Lula também), que tem se rendido a lobbies formidáveis (montadoras, mineradoras, fabricantes de papel e celulose, agroquímicas etc) porque não consegue enxergar além de 4 ou 8 anos no máximo, tempo de seu plantão presidencial em Brasília.
O que cabe a todos nós? Acompanhar atentamente a tramitação do Projeto, repudiar toda e qualquer iniciativa que signifique a manutenção do desmatamento, a destruição dos nossos recursos florestais e a preservação de privilégios dos grandes produtores e exportadores, empresas de insumos agrícolas e de poderosos proprietários de terras.
Espera-se que a imprensa não fique refém das fontes empresariais ou oficiais e que paute a cobertura pelo pluralismo, sem estigmatizar os movimentos sociais, os grupos organizados e as legítimas organizações do Terceiro Setor que têm impedido que os abusos se tornem maiores do que já estão.
A proposta do novo Código Florestal é, como diz a Folha, um retrocesso. Se não houver oposição firme, competente, ela será aprovada e penalizará definitivamente o País.
Respeitemos a produção sustentável, os empresários comprometidos com a manutenção dos recursos naturais, os pequenos produtores que precisam ter alternativas e efetivamente desfrutar da nossa boa vontade. Mas não aceitemos que interesses excusos, patrocínios espúrios se aproveitem de uma situação que aí está para aumentar os seus lucros, o seu poder sobre a terra brasileira.
Da minha parte, espero também que a aliança de um deputado comunista com uma bancada ruralista não se reverta em votos nas próximas eleições. Que todos aqueles comprometidos com o meio ambiente saibam dizer não a estas parceiras e votem pela sustentabilidade. Aldo Rebelo escolheu o seu lado e tem todo o direito de fazer isso.  Muitos de nós , que já o elegemos outras vezes, temos o direito de divergir desta postura e de buscar outras alternativas. Diga não ao desmatamento do Código Florestal e vote pela sustentabilidade. Talvez o Congresso nos escute (anda surdo como pedra!) da próxima vez.

Wilson é jornalista e professor universitário (USP e UMESP) - www.blogdowilson.com.br

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